Texto de Gutierres Siqueira, jornalista.
Eu particularmente não vi, mas muitos relataram que alguns
evangélicos estavam postando nas redes sociais bobagens sobre a tragédia
na boate Kiss de Santa Maria (RS). Uns diziam que se os jovens tivessem
na igreja eles estariam vivos. Outros diziam que a tragédia é a
manifestação da ira de Deus sobre a sociedade permissiva. É caso para
chorar!
Deus sabe o quanto fiquei triste com essa tragédia. Cada rosto
despertou em mim um sentimento de luto. Aquele jovem poderia ser um
parente meu, quem sabe um irmão ou um primo. Ora, poderia ser um grande
amigo ou um colega de faculdade. Números em tragédias são impessoais,
mas rostos não! Dei graças a Deus que a minha congregação levantou um
clamor pelo consolo das famílias. Infelizmente, em muitas tragédias a
igreja esquece de orar, enquanto se apressa em explicar.
…
Se você abriu a boca para falar “se eles tivessem na igreja estariam
vivos” lembre, também, os templos sem manutenção provocam acidentes. A
maioria de nós congregamos em templos sem nenhuma segurança. Sim, talvez
você e eu corramos o mesmo perigo daqueles jovens… Já pensou nisso?
O pecado da moralização
Todas as vezes que uso a expressão “eu avisei” ou “bem feito”, logo
me sinto em pecado. Jogar na cara de alguém o erro com certo prazer de
“arauto eficaz” é iniquidade. Sim, é transgressão quando você diz “eu
avisei” para jogar ao desobediente o seu prazer mórbido no desastre
dele. Isso se chama vaidade. É orgulho, o orgulho dos fariseus. É o
pecado da moralização.
Vamos falar do pecado alheio? Sim, é claro, mas com dor no coração.
Quando Jesus profere um longo discurso sobre os pecados dos fariseus Ele
encerra dizendo: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e
apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus
filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não
quiseste!” [Mateus 23.37]. Observe bem quanta lamentação, quanta dor no
coração de Jesus com a incredulidade de Jerusalém. Se eu falo de pecado
sem dor, eu peco. Motivo? Ora, estamos falando de seres humanos dos
quais Cristo deu a Sua própria vida.
Portanto, nada dessas lições de moralismo. Sejamos prudentes. Paulo
disse a Tito: “Exorta semelhantemente os jovens a que sejam moderados”.
[Tt 2.6 ARF], mas alguns versículos antes ele também exortou: “Ensine os
homens mais velhos a serem sóbrios, dignos de respeito, sensatos, e
sadios na fé, no amor e na perseverança” [Tt 2.2]. Será sobriedade,
sensatez, fé sadia falar “bem feito” para jovens mortos em uma tragédia?
Será amor e respeito mostrar o seu poder moralizador no calor da
tragédia?
Tragédia não é para moralizar, é para chorar, ajudar. Ah, mas foi
juízo divino, diriam alguns. Bom, você sabe? Você conhece todos os
caminhos de Deus? O pastor que morre de bala perdida dentro da igreja
foi fulminado pelo juízo? Ou você pensa que quando pecas continuamente e
nada acontece se isso não é uma forma terrível de juízo divino?
…
Sinceramente, é triste ter que escrever um texto como esse diante de
tanta bobagem dita por evangélicos na instrumentalização de uma
tragédia. Encerro com as sábias palavras de Jesus:
“Naquela ocasião, alguns dos que estavam presentes contaram a Jesus
que Pilatos misturara o sangue de alguns galileus com os sacrifícios
deles.Jesus respondeu: “Vocês pensam que esses galileus eram mais
pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira? Eu lhes
digo que não! Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão.
Ou vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles
a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes
de Jerusalém? Eu lhes digo que não! Mas se não se arrependerem, todos
vocês também perecerão”. [Lucas 13.1-5 NVI]
FONTE: http://novotempo.com/radio/2013/01/30/santa-maria-e-o-pecado-da-moralizacao/